Nesta entrevista, o artista, curador e Prof. Dr. Ayrson Heráclito* (Brasil) fala sobre seus processos criativos em suas trajetórias de investigação estética, destacando algumas de suas obras que conectam elementos da religiosidade afro-brasileira.
Em suas obras, há uma forte presença de temas religiosos, com iconografias que estão associadas à cultura afro-brasileira, especialmente ao Candomblé. Inspiração, resistência, identidade…?
Ayrson Heráclito – O meu trabalho vem se construindo, em mais de três décadas, como um discurso político e estético sobre o complexo legado cultural dos africanos que foram escravizados na América e particularmente no Brasil. Sou ativado por este universo filosófico, espiritual e ancestral. Dai o meu interesse pelas cosmovisões e rituais sagrados. O meu conceito de arte não é puramente europeu onde costumou-se separar arte de religião. Para mim tudo está interligado, por isso além de tornar-me artista pesquisador, tornei-me também um sacerdote do culto e tenho um cargo como Ogã em um Hùnkpámè do jeje mahi no subúrbio de Salvador. Me considero um artista de um ativismo místico e conjuro com a ideia do Achille Mbembe que diz: «…há uma modernidade africana pré-colonial que ainda não foi considerada pela criatividade contemporânea.»
Em sua trajetória no chamado mercado das artes visuais, ainda desde uma de suas primeiras aparições públicas (em 1986 no I Salão Metanor/Copenor de Artes Visuais da Bahia) você identifica fases pontuais/demarcatórias em sua criação estética e no funcionamento desses mercados das artes visuais?
Ayrson Heráclito – Nestas três ultimas décadas de arte na Bahia, venho acompanhando as transformações do mercado de artes visuais. Nunca estive inserido neste sistema, minha trajetória sempre foi externa ao Estado. Em determinados momentos assisti um crescimento mercadológico em outros uma diminuição, mas nunca um desaparecimento. Há aqui, galeristas e lojas de artes, antiquários, atelier, decoração e etc. muito consolidados. Nos anos 1980 existia uma grande movimentação comercial em torno de artistas pintores, com temáticas variadas mas com um apelo para temas locais. Este movimento se enfraqueceu quando se popularizou o que se costumou a se chamar arte contemporânea nos anos 2000 – novos materiais, processos, suportes e imaterialidades. Hoje assistimos um renascimento do mercado de artes visuais enquanto um investimento econômico e simbólico. Já é possível ver, poucos artistas, sobrevivendo exclusivamente da venda de objetos artísticos. Mas estamos longe da realidade de grandes centros como Rio e São Paulo.
Hoje você é um artista do circuito internacional. Quais suas participações em eventos fora do Brasil e o que significa isso na sua trajetória?
Ayrson Heráclito – Venho fazendo parte de um circuito de arte contemporânea que situa a produção dentro dos artistas da diáspora africana na américa. Tenho uma relativa visibilidade no continente africano e europeu muito por isso. Muito mais por ser um artista afro americano do que de ser brasileiro. Existe uma delimitação ideológica, política que faz com que a minha produção circule. As ideias de sul global pós e descolonialismo, arte não ocidental etc. Mas também existe a minha poética que é particular e que já começa a ser conhecida. Uma forma distinta de fazer arte e politica. Emoção e luta. Identidades e pertencimento. Operações de atravessamentos contemporâneos que consigo fazer entre a África e Brasil.
Entrevista: Cláudio Manoel Duarte de Souza
Links:
http://www.premiopipa.com/pag/ayrson-heraclito
https://vimeo.com/ayrsonheraclito2011/videos
*Ayrson Heráclito (Macaúbas, Bahia, Brasil, 1968) é artista, curador e professor. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC São Paulo, Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Professor do Centro de Artes, Humanidades e Letras – CAHL da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Suas obras transitam pela instalação, performance, fotografia e audiovisual, lidam com frequência com elementos da cultura afro-brasileira e suas conexões entre a África e a sua diáspora na América. Participou de coletivas como Afro-Brazilian Contemporary Art, Europalia. Brasil, Bruxelas, Bélgica (2012); Trienal de Luanda, Angola (2010); e MIP 2, Manifestação Internacional de Performance, Belo Horizonte (2009). Foi curador-chefe da 3ª Bienal da Bahia(2014) e recebeu o prêmio de Residência Sesc_Videobrasil [Raw Material Company – Senegal]. Seus trabalhos foram apresentados em individuais na Bahia, mostras, festivais e Bienais internacionais. Em 2015 foi homenageado na Bienal de fotografia de Bamako, Mali e indicado para o prêmio Novo Banco Photo 2015 no Museu Coleção Berardo em Lisboa. Sendo um dos artistas brasileiros convidados para participar do projeto – Oito Performances(2015) com curadoria de Marina Abramovic, Lynsey Peisinger e Paula Garcia no Sesc Pompeia. Convidado pela curadora geral Christine Macel para participar da 57ª Bienal de Veneza.