Nessa entrevista o Prof. Dr. Jorge Cardoso (UFRB, Brasil) fala sobre a escuta na música, entendida como performance, e sobre o conceito de cena no ciberespaço
O que caracteriza uma ‘escuta» da música? Temos diferentes modelos de «escuta» a partir de diferentes gêneros musicais?
Jorge Cardoso – Costumo pensar que a escuta da música tem uma relação mais forte com a competência para usar determinados códigos e repertórios que são importantes para a apreciação daquela música ou canção específicas. O termo escuta, como usado pelo francês Pierre Schaeffer, implica uma intencionalidade, e portanto a intenção de perceber algo. Esse algo que deve ser percebido, normalmente, está apresentado nas práticas dos diferentes gêneros musicais. Se no samba há uma preocupação, por exemplo, em evidenciar os aspectos das texturas percussivas, no Axé Music da Bahia houve uma forte exploração das texturas dos metais. Para o ouvinte escutar um ou outro, ele precisa acionar esses códigos e extrair daí a apreciação. Mesmo que ele ouça muita coisa, essa escuta é algo que pode ser exercitada.
Música pode ser entendida como performance?
Jorge Cardoso – Sem dúvida, a prática musical é vivenciada como performance. Quando comecei a pesquisar a cena Heavy Metal em Salvador, acreditava que apenas os shows eram performances, com todo aquele público vestido de preto e fazendo «air guitar». Mas depois de observar as reiterações em diversas outras modalidades musicais, sejam elas populares ou eruditas, você percebe que há uma dimensão performática e reiterativa em todas elas, mesmo quando não são executadas ao vivo, ou quando estamos apenas falando a respeito das mesmas. Ou seja, há sempre uma forma reiterada e há, simultaneamente, o inesperado que emerge desses comportamentos restaurados. A própria escuta é também uma performance.
Em tempos de circulação da música em redes digitais, como pensar um conceito de cena musical, originalmente referenciada em ambientes geolocalizados?
Jorge Cardoso – Na minha opinião essa é uma contradição aparente, que não inviabiliza continuar pensando no conceito de cena. Mesmo nas redes digitais, os usuários acionam marcas territorializadas, em sua dimensão simbólica, num processo que, as vezes, demanda um o aspecto mais globalizante da música e, em outras ocasiões, uma dimensão local. Faz parte inclusive de uma dimensão político-cultural das expressões musicais.
Entrevista: Cláudio Manoel Duarte de Souza
* Diretor do Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, UFBA, e do mestrado em Comunicação da UFRB. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – PQ nível 2. Jornalista graduado pela UFBA (2004), mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA (2006) e doutor em Comunicação pela UFMG (2010). Realizou estágio doutoral (sandwich) sob a supervisão de Martin Seel, na Goethe-Universität Frankfurt am Main (2009).Membro da IASPM – Rama América-Latina. Autor dos livros Poética da música underground (2008) e Práticas de Escuta do Rock (2013). Organizador das coletâneas Experiência Estética e Performance (2014) e Comunicação e Sensibilidade: pistas metodológicas (2016). Tem experiência na área de Teorias da Comunicação e das Linguagens, atuando principalmente nos seguintes temas: Música, Estética da Comunicação, História dos Meios e Crítica Cultural.